Tolerância

Marcos Lisboa

A intolerância divide o país. Qualquer crítica ao presidente é tratada como crime de lesa-pátria. Já alguns herdeiros de Lula desqualificam todas as propostas oficiais, mesmo que tenham que apelar para argumentos incorretos.
Membros do governo se queixam de que são acusados de ameaçar a democracia apenas porque venceu o outro lado, sem atentar para os preconceitos assustadores vociferados pelos condestáveis. A esquerda, por sua vez, reluta em aceitar que boa parte da sociedade escolheu mudar de rumo na última eleição.
A democracia garante à maioria o direito de decidir sobre a política pública, até mesmo adotar medidas que nos revoltem. A Constituição, porém, impõe algumas limitações ao resultado das urnas, como respeitar a liberdade de expressão e o direito das minorias, o que inclui discordar do governo.
Há cem anos, Oliver W. Holmes, juiz da Suprema Corte americana, foi contra punir os imigrantes russos que criticavam o governo. Seu voto em defesa da liberdade de expressão atordoou o Judiciário.
Pouco menos de um ano antes, o mesmo Holmes havia condenado E. Debs, cujo crime fora ter elogiado publicamente os jovens que resistiram à convocação para lutar na guerra. "Se meus concidadãos desejam ir para o inferno, eu vou ajudá-los", dizia o juiz.
Nos meses seguintes, porém, Holmes mudou de opinião com um texto de fazer inveja a padre Antonio Vieira. Ele começa aparentemente justificando a censura para concluir com o descalabro das suas consequências.
Reprimir opiniões divergentes é perfeitamente razoável, escreveu Holmes, desde que não tenhamos dúvidas sobre os nossos preconceitos. O tempo, porém, tem revelado o equívoco de muitas das nossas crenças.
O teste da verdade é conseguir sobreviver ao debate sem censura, à "livre troca de ideias", como sintetizou Holmes.
Cotidianamente, "apostamos nossa salvação em alguma profecia baseada em conhecimento imperfeito". Por essa razão, "devemos estar eternamente vigilantes contra as tentativas de filtrar as opiniões que nos revoltam".
Houve muitas razões para a mudança de Holmes, sendo uma delas o livro "Sobre a Liberdade", de John S. Mill. As nossas crenças, incluindo na física newtoniana, escrevera Mill, são válidas apenas na medida em que sobrevivem aos questionamentos mais severos.
Holmes talvez não soubesse, mas, pouco depois do livro de Mill, o célebre experimento de Michelson-Morley mostrou que havia falhas na física clássica. A Teoria da Relatividade proposta por Einstein deu conta do problema, mas foi rejeitada na Alemanha nazista por ser "física de judeu".
O preconceito e o receio do contraditório alimentam os desastres.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.



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