A direita veio para ficar no panorama político do Brasil? SIM e NÃO


Adorei esses dois textos publicados pelo jornal Folha de São Paulo no dia 13 de Outubro. Trata-se de dois entendimentos sobre a direita. Ela veio para ficar ou irá se desfazer? 

Quando se fala em "onda de direita" ou "onda conservadora", está se colocando em um mesmo rótulo uma diversidade de grupos que não são ideologicamente idênticos. Porém, é essa diversidade a razão principal para afirmar que esta "onda" não é passageira, mas expressão de segmentos da população que até então não estavam sendo representados politicamente.

É verdade que uma parte da direita é expressão de um sentimento conjuntural: o antipetismo, cujo avanço se deu em razão do envolvimento do Partido dos Trabalhadores nos escândalos de corrupção descobertos pela Lava Jato e também pela recessão econômica produzida no governo Dilma.

Portanto, talvez essa seja a parte da onda de direita que é passageira. Porém, essa conjuntura levou à expressão e à organização política de outros grupos.

O primeiro desses grupos é o movimento liberal, que começa a crescer durante as manifestações favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff por meio de lideranças como o MBL e se organizam especialmente no partido Novo.

O segundo grupo são os conservadores, um conjunto difuso de pessoas que começa a ser formado pela influência e popularidade do filósofo Olavo de Carvalho e tem se expressado politicamente na candidatura de Jair Bolsonaro e também em movimentos pró-monarquistas.

O terceiro e quarto grupo possuíam bancadas parlamentares antes da "onda conservadora", mas recentemente estão se posicionando mais à direita: o agronegócio e os evangélicos, junto com católicos conservadores.

A bancada do agronegócio tem como principal bandeira a oposição ao MST e ao ativismo ambientalista. Os evangélicos e católicos conservadores se opõem às bandeiras da bancada LGBT e direitos humanos, especialmente na questão da legalização do aborto e das drogas, assim como em temas ligados à educação, cabendo destaque ao movimento Escola sem Partido.

Por último, um grupo ligado às Forças Armadas e às Polícias Militares que se uniu com movimentos sociais em torno do fim do desarmamento civil e em favor de políticas de segurança pública mais duras. Esse grupo é tão numeroso quanto aquele das bandeiras de "direitos humanos", que tradicionalmente se identifica com a esquerda.

Nestas eleições, esses grupos elegeram uma quantidade expressiva de senadores --por exemplo, o Major Olimpio (PSL), que tirou a vaga de Eduardo Suplicy (PT)-- e deputados estaduais e federais; inclusive, as duas maiores votações da história desses dois cargos foram de dois candidatos que integram a onda de direita: Janaina Paschoal e Eduardo Bolsonaro.

Esses grupos não expressam apenas um sentimento difuso de insatisfação com os partidos de esquerda no contexto do antipetismo; eles expressam valores, interesses e ideologias existentes dentro da sociedade brasileira que não estavam sendo representadas politicamente.

Não é, portanto, motivado por uma reação momentânea. Por isso, é possível prever que esses grupos, ao elegerem parlamentares em todos os níveis da República e com a chance real de vitória de Bolsonaro, irão crescer em organização política e se tornarem parte permanente do espectro político brasileiro, que até então tem sido formado apenas por partidos e candidatos entre o centro até a extrema esquerda.

Também por possuir organizações e origens em movimentos da sociedade civil, a onda de direita não é somente um fenômeno eleitoral.


Lucas Rodrigues Azambuja
Doutor em sociologia pela USP, professor titular no Ibmec-MG e coordenador do Laboratório de Análise de Ambiente de Negócios na mesma instituição



A direita veio para ficar no panorama político do Brasil? NÃO - O que parece sólido se desfaz

 

Desde a ditadura militar as eleições nunca foram tão agônicas. Talvez 2018 encontre alguma similitude com 1989, quando Collor apareceu como azarão civil que empolgou os "de cima" e arrastou muitos "de baixo". Durou dois anos e arrebentou o país. Empobreceu ainda mais os que pouco tinham. O novo azarão, agora semifardado, uma espécie de Trump dos grotões, vocifera "contra o sistema" que só o beneficiou.

Seria mesmo um milagre que, em um mundo tão conturbado, algo similar aqui não ocorresse. Trump nos EUA, o "brexit" no Reino Unido, neonazismo na Alemanha, Orbán xenófobo na Hungria, e Matteo Salvini, ministro fascista decidindo a política migratória na Itália. Enfim, é extensa a lista das aberrações realizadas pelas direitas no mundo. Portugal oferece um pequeno contraponto a esse cenário.

Na América Latina, Macri é o exemplo maior. Fez o que a direita impõe e só trouxe devastação. Piñera, no Chile, ressurge das cinzas da desertificação neoliberal. É cedo para dizer que López Obrador, no México, será algo diferente de um bom orador.

Esta "era das trevas" foi a resposta das corporações financeiras globais e seus governos (à direita e à "esquerda") frente à "era das rebeliões" que sacudiram o mundo pós-crise de 2009.

Da Grécia à Espanha, dos EUA à Inglaterra, da Tunísia a quase todo o mundo árabe, tudo o que parecia sólido estava derretendo.

Derrotadas quase todas as rebeliões, chegou a vez de o impiedoso pêndulo eleitoral se voltar de novo para as direitas, em versões mais extremadas. Adentramos num ciclo de "contrarrevolução preventiva" que recusa qualquer forma de conciliação, pois almeja mesmo a devastação.

No Brasil, o aparentemente inesperado também ocorreu: a centro-direita desvaneceu e a extrema destra proliferou. A primeira corrente, dividida entre Alckmin, Meirelles e o turbinado Alvaro Dias, minguou. Novidade foi o bem comportado banqueiro Amoêdo, o João da Moeda.

Criado o vácuo, a extrema direita soltou seus demônios também no Brasil. Saiu do armário. Seus experimentos nazifascistas pretéritos já borraram indelevelmente a história da humanidade, exacerbando o ódio aos judeus e aos comunistas.

Em sua atual versão, agregaram novos "valores": têm horror aos pobres e aos negros, adotam a misoginia como prática cotidiana, querem ver as mulheres no fogão, envaidecem-se do feminicídio, odeiam as belas Marielles, querem exterminar os "anormais" LGBTs e extirpar as comunidades indígenas.

Adicionaram novos traços à sua nova suástica, sem abandonar as anteriores. Com Pinochet, aprenderam a rimar ditadura militar com neoliberalismo.

Para impedir a vitória desse horror no segundo turno, é imprescindível ampliar o leque de votantes. Incluir os liberais que preservam algum valor de humanidade; os democratas de centro e de esquerda; os cristãos conservadores e os da teologia que lutam pelos pobres; os social-democratas, os diversos socialistas, os distintos comunismos, os vários anarquistas e libertários. Todos sabem como começa o fascismo, mas não imaginam até onde ele vai. As mulheres, os jovens, a classe trabalhadora e os movimentos sociais são vitais nesse embate.

Todos esses votos são imprescindíveis para que as eleições desde 1989 não se tornem "coisa do passado". Na história, nada é eterno. Mas hoje é imperioso derrotar o fascismo. O que só é possível pelo voto claro em Haddad, que, vale dizer, significa muito mais do que votar no PT.


Ricardo Antunes
Professor titular de sociologia no IFCH/Unicamp e autor de "O Privilégio da Servidão" (Boitempo)



Texto publicado no jornal Folha de São Paulo em 13 de Outubro de 2018



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