A angústia de ser Homem


Luciano Alvarenga, Sociólogo
Há alguns anos escrevi um artigo, “A angústia de ser mulher”. Estes dias republiquei, e me desafiaram a escrever a angústia de ser homem. Confesso que demorei meses até o momento de redigir este texto e, mesmo assim ainda me sinto inseguro em tratar do assunto.
Em primeiro lugar é preciso dizer que a realidade das mulheres nas últimas décadas tem sido muito mais debatida, discutida e avaliada do que a dos homens e isso, naturalmente, em função de que as mulheres foram as grandes protagonistas das maiores transformações ocorridas no ocidente no século XX. Mas vamos aos homens.
A revolução feminina deslocou a identidade masculina. O homem, de ator principal na cena pública, ocupa hoje quase os mesmos lugares, mas agora sem o mesmo poder, sem a mesma imponência e, principalmente, a primazia do discurso público não esta mais em suas mãos. O que pensam, querem ou desejam os homens está completamente ausente dos debates parlamentares, dos discursos das ONGs, das falas midiáticas, enfim, a questão masculina não interessa. E quando me refiro a homem estou me referindo ao tipo hetero, médio, monogâmico.
A força do homem não esta mais em ser homem, como é a força da mulher o fato de ser mulher; e claro uma mulher que se revela no espaço público e no mercado de trabalho de maneira altiva e ativa. Mas se a força do homem não é o simples fato de ser homem, qual é então? Esse é o problema, o homem não sabe ser outra coisa ou revelar-se de alguma maneira que não seja aquela atrelada ao seu papel tradicional de homem dono do pedaço. Não sendo dono do pedaço ainda não consegue ser outra coisa. O homem médio ainda se sente estranhado entre as mulheres que pareiam com ele no mercado de trabalho, na vida amorosa, na rua, nos espaços sociais sejam eles quais forem. O aumento da violência contra a mulher é uma expressão desse estranhamento, dessa perda de poder e, por que não dizer, medo.
Uma certa feminização do masculino – em alguma medida até uma parcela dos gays – é mais um indicativo de um homem que copia um padrão estético dominante, pelo menos dominante nos mass media, do que propriamente um homem que se transmuta em direção a um novo modelo de masculino mais próximo dos tempos novos em que vivemos.  Ou seja, aqueles homens mais afeminados são uma expressão não de uma saída, de um caminho que se avizinha para uma nova identidade do masculino, mas na verdade mais uma expressão da profundidade da crise do homem. Este homem mais feminino, pelo menos em boa parte dos casos, pode revelar um homem que mais se esconde no feminino, mais se apaga e se retira de cena, deixando à mulher o papel protagonista, e nesse sentido a sobrecarregando ainda mais, do que propriamente um homem novo que se desvela. O macho dominante e toda a cultura hetero que se formou em torno dele foi tão forte, e predominou por tanto tempo que é muito difícil ainda, ao homem, se ver ou construir sua identidade desconectado daquilo que foi por tanto tempo.
A presença forte das mães, das esposas, das mulheres em geral, de certa maneira, é outro lado disso. Sem uma referência de masculino marcante e nova, sem um mapa do que seja ser homem neste novo contexto societário em que vivemos, o homem, sejam adolescentes ou não, se encolhem e aceitam o domínio e a influência de mulheres fortes, suas mães, avós ou amigas, e deixam de trilhar o caminho de afirmação de sua identidade.
É a crise do homem, que não raras vezes se expressa pela violência.
“Os homens não tomam atitude”, “não decidem”, “sempre esperam a mulher dizer”, “são acomodados”, “não assumem compromisso”, “tem dificuldades em dividir as tarefas domésticas”, “quando em casa, se comportam como filhos”. “Até no affair deixaram de tomar iniciativa”. Estas são algumas das frases facilmente escutáveis num papo entre mulheres. Em outras palavras, os homens murcharam. A julgar pelos discursos de determinadas minorias, o heterossexual masculino é um ser quase sinônimo de machão, misógino, burro, homofóbico, atrasado. Isso responde em alguma medida a posição intimidada e recalcitrante do público masculino.
O apequenamento masculino na cena social também e, principalmente, está associado ao fato de que o discurso prevalecente, a palavra forte, a linguagem hegemônica, pelo menos nos meios mais cosmopolitas e midiáticos, está todo ele ligado a mulher. A mulher é o sujeito novo que se consolida. Ela é a referencia e, portanto, quem dita o ritmo e a velocidade do discurso.
O homem, esse estranho ser cheio de pelos (alguns se depilam para acelerar as mudanças), ainda está mais associado ao passado, ao velho poder, as velhas taras, vícios e tudo aquilo que nessa vida liquido moderna não queremos mais, e que ele está diretamente ligado.
O homem é uma destas “instituições” que o sociólogo alemão Ulrich Beck chama de “zumbi”. Está morto, mas ainda vive. É claro que me refiro não ao biológico, mas o homem social, datado e com qualidades específicas de uma época que vai se enterrando na velocidade deste novo século. É zumbi no sentido de que ainda se define, em larga medida, por referências sociais, comportamentais, religiosas e educativas, afetivas inclusive, que reavivam experiências de um mundo que ruiu na revolução feminina. O homem ainda é este ser que dialoga mais com o passado do que com o presente ou, pelo menos, ao não se revestir com uma nova e contemporânea identidade, seja lá o que isso possa ser, está sempre atrelado e sendo acusado de extemporâneo, atrasado, de outro tempo que passou. A mulher, não são todas, diga-se de passagem, passou para a outra margem do rio, mas o homem, não.
Luciano Alvarenga, Sociólogo

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