Martin Luther King

Martin Luther King

Martin Luther King Jr. (1929-1968) também foi escolhido para a reflexão sobre o sonho e a esperança por sua luta pelos direitos civis e sociais dos negros nos Estados Unidos da América. Ele nasceu na cidade de Atlanta, no Estado da Geórgia. Era o filho mais velho de uma família de negros estadunidenses de classe média. Seu pai era pastor batista e sua mãe era professora. Assim como Mohandas Gandhi e Nelson Mandela, Martin Luther King também teve uma formação universitária, só que em Teologia. Ele fez ainda pós- -graduação nessa área e, tal como Mandela, foi extremamente influenciado pelas ideias de Gandhi da não violência. Isso ocorreu enquanto estava ainda na universidade. Vale a pena destacar para os alunos a importância que a educação e os livros tiveram na vida desses três líderes.

Em sua época, os EUA possuíam, tal como a África do Sul, leis que segregavam os negros, mas não uma política tão dura quanto o apartheid. Mesmo assim, os negros eram considerados cidadãos de segunda classe e sofriam todo tipo de humilhação e perseguição. Em 1954, Luther King tornou-se pastor da igreja batista da cidade de Montgomery, no Estado do Alabama, e começou sua luta sistemática pelos direitos civis, sociais e políticos dos negros. Na época, ele era o presidente da Associação de Melhoramento de Montgomery. Por participar dessa associação, organizou, em 1955, um movimento de boicote ao transporte público, motivado pelo episódio em que Rosa Parks, uma passageira negra, foi presa por se recusar a dar o seu lugar em um ônibus para um branco. Naquela época, os negros eram obrigados a ceder aos brancos seu lugar nos assentos. O movimento durou quase um ano. Ele chegou a ser preso e sua casa foi atacada. O boicote terminou quando a Suprema Corte emitiu um mandato proibindo a segregação em qualquer transporte público. Foi a primeira vitória de Martin Luther King. Dada a repercussão do caso, ele se destacou e passou a ser um líder respeitado.

Em 1957, juntamente com outras pessoas insatisfeitas com a situação dos negros, fundou a Conferência da Liderança Cristã no Sul, uma organização de igrejas e pastores negros que procurava pôr fim às leis de segregação existentes, por meio de boicotes pacíficos. No final da década de 1950, foi à Índia, para compreender a satyagraha que Gandhi havia criado, e, após seu retorno, organizou uma série de protestos contra a discriminação sofrida pelos negros.

Em 1964, Martin Luther King foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. O mesmo aconteceu com Nelson Mandela em 1993. A forma de ação política proposta por ele era muito parecida com a de Gandhi, embora Luther King se valesse de discursos que empolgavam as multidões. Da mesma maneira que Gandhi e Mandela, ele tinha a capacidade de envolver as pessoas em torno de uma causa, e também foi preso diversas vezes. Ele se envolveu em vários protestos, marchas e passeatas, sempre por meios pacíficos. Seu engajamento também foi muito grande. Sua ação mais famosa foi a chamada Marcha sobre Washington, que ele realizou com outros líderes, em 1963, e que contou com a participação de mais de 200 mil pessoas na capital dos EUA. Ali proferiu seu mais importante discurso, considerado por muitos o mais belo e o de maior impacto, que ficou conhecido como “Eu tenho um sonho” [“I have a dream”].

Eu tenho um sonho
Discurso proferido por Martin Luther King na Marcha sobre Washington, D.C., por
Trabalho e Liberdade, em 28 de agosto de 1963.

Estou contente de me reunir hoje com vocês nesta que será conhecida como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Há dez décadas, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a Proclamação da Emancipação. Esse magnífico decreto surgiu como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que arderam nas chamas da árida injustiça. Ele surgiu como uma aurora de júbilo para pôr fim à longa noite de cativeiro. Mas cem anos depois, o negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do negro ainda está tristemente debilitada pelas algemas da segregação e pelos grilhões da discriminação. Cem anos depois, o negro vive isolado numa ilha de pobreza em meio a um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o negro ainda vive abandonado nos recantos da sociedade na América, exilado em sua própria terra. Assim, hoje viemos aqui para representar a nossa vergonhosa condição.
De uma certa forma, viemos à capital da nação para descontar um cheque. Quando os arquitetos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração da Independência (Sim), eles estavam assinando uma nota promissória da qual todos os americanos seriam herdeiros. A nota era uma promessa de que todos os homens, sim, negros e brancos igualmente, teriam garantidos os “direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. É óbvio neste momento que, no que diz respeito a seus cidadãos de cor, a América não pagou essa promessa. Em vez de honrar a sagrada obrigação, a América entregou à população negra um cheque ruim, um cheque que voltou com o carimbo de “sem fundos”. No entanto, recusamos a acreditar que o banco da justiça esteja falido. Recusamos a acreditar que não haja fundos suficientes nos grandes cofres de oportunidade desta nação. E, assim, viemos descontar esse cheque, um cheque que nos garantirá, sob demanda, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça. Viemos também a este glorioso local para lembrar a América da urgência feroz do momento. Não é hora de se comprometer com o luxo do comedimento ou de tomar o tranquilizante do gradualismo. Agora é hora de concretizar as promessas da democracia (Sim, Senhor). Agora é hora de deixar o vale sombrio e desolado da segregação pelo caminho ensolarado da justiça racial. Agora é hora de conduzir a nossa nação da areia movediça da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade. Agora é hora de tornar a justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação ignorar a urgência do momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos negros não passará até que haja um outono revigorante de liberdade e igualdade. O ano de 1963 não é um fim, mas um começo. E aqueles que agora esperam que o negro se acomode e se contente terão uma grande surpresa se a nação voltar a negociar como de costume. E não haverá descanso nem tranquilidade na América até que se conceda ao negro a sua cidadania. As tempestades da revolta continuarão a balançar os alicerces da nossa nação, até que floresça a luminosa manhã da justiça.

Mas há algo que devo dizer a meu povo, diante da entrada reconfortante do Palácio da Justiça: ao longo do processo de conquista do nosso merecido lugar, não podemos nos condenar com atos criminosos. Não devemos saciar a nossa sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. Devemos sempre conduzir a nossa luta no mais alto nível de dignidade e disciplina. Não podemos permitir que o nosso protesto degenere em violência física. Vezes sem fim, devemos nos elevar às majestosas alturas para confrontar a força física com a força da alma. A nova e maravilhosa militância que engolfou a comunidade negra não deve nos levar a desconfiar de todos os homens brancos, pois muitos de nossos irmãos brancos, como se torna evidente com a sua presença aqui hoje, compreenderam que o seu destino está ligado ao nosso. Eles compreenderam que a sua liberdade está atada à nossa, de forma inextricável.

Não podemos caminhar sozinhos. E, enquanto caminhamos, devemos prometer que sempre marcharemos adiante. Não podemos voltar. Há quem pergunte aos devotos dos direitos civis: “Quando ficarão satisfeitos?”(Nunca). Não ficaremos satisfeitos enquanto o negro for vítima dos inenarráveis horrores da brutalidade policial. Não ficaremos satisfeitos enquanto os nossos corpos, pesados pela fadiga da viagem, não obtiverem hospitalidade nos hotéis das rodovias e das cidades. Não ficaremos satisfeitos enquanto a única mobilidade social a que um negro possa aspirar seja deixar o seu gueto por um outro maior. Não ficaremos satisfeitos enquanto os nossos filhos forem despidos de sua personalidade e tiverem a sua dignidade roubada por cartazes com os dizeres “só para brancos”. Não ficaremos satisfeitos enquanto o negro do Mississippi não puder votar e o negro de Nova York acreditar que não há por que votar. Não e não. Não estamos satisfeitos e nem ficaremos satisfeitos até que “a justiça jorre como uma fonte; e a equidade, como uma poderosa correnteza”. Não ignoro que alguns de vocês enfrentaram inúmeros desafios e adversidades para chegar até aqui (Sim, Senhor). Alguns de vocês recentemente abandonaram estreitas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de regiões onde a busca por liberdade deixou-os abatidos pelas tempestades da perseguição e abalados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são os veteranos do sofrimento profícuo. Continuem a lutar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a Louisiana, voltem para os cortiços e para os guetos
das cidades do Norte, conscientes de que, de algum modo, essa situação pode e será transformada (Sim). Não afundemos no vale do desespero. E digo-lhes hoje, meus amigos, mesmo diante das dificuldades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho, um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e experimentará o verdadeiro significado de sua crença: “Acreditamos que essas verdades são evidentes, que todos os homens são criados iguais” (Sim). Eu tenho um sonho de que um dia, nas encostas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos sentarão ao lado dos filhos dos antigos senhores, à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho de que um dia até mesmo o estado do Mississippi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, sufocado pelo calor da opressão, será um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho de que os meus quatro filhos pequenos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter (Sim, Senhor). Hoje, eu tenho um sonho! Eu tenho um sonho de que um dia, lá no Alabama, com o seu racismo vicioso, com o seu governador de cujos lábios gotejam as palavras “intervenção” e “anulação”, um dia, bem no meio do Alabama, meninas e meninos negros darão as mãos a meninas e meninos brancos, como irmãs e irmãos. Hoje, eu tenho um sonho.
Eu tenho um sonho de que um dia todo vale será alteado (Sim) e toda colina, abaixada; que o áspero será plano e o torto, direito; “que se revelará a glória do Senhor e, juntas, todas as criaturas a apreciarão” (Sim). Esta é a nossa esperança, e esta a fé que levarei comigo ao voltar para o Sul (Sim). Com esta fé, poderemos extrair da montanha do desespero uma rocha de esperança (Sim). Com esta fé, poderemos transformar os cla-presentes na seção Leitura e análise de texto, propõem alguns questionamentos que podem balizar a sua discussão sobre o discurso de Luther King.

1. Explique que tipo de atitude você acha que esse discurso incitou nas pessoas. Uma ação violenta ou não violenta? Justifique.

2. Escreva uma lista com quatro problemas pelos quais os negros nos Estados Unidos da América passavam, entre os vários que Luther King apontou no discurso.

3. Explique a importância do trecho: “um sonho profundamente enraizado no sonho americano”.
É importante não esquecer de explicar-lhes o sentido do seguinte trecho: “ainda tenho um sonho, um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e experimores dissonantes da nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé (Sim, Senhor), poderemos partilhar o trabalho, partilhar a oração, partilhar a luta, partilhar a prisão e partilhar o nosso anseio por liberdade, conscientes de que um dia seremos livres. E esse será o dia, e esse será o dia em que todos os filhos de Deus poderão cantar com um renovado sentido:

O meu país eu canto. 
Doce terra da liberdade, a ti eu canto. Terra em que meus pais morreram,
Terra do orgulho peregrino, Nas encostas de todas as montanhas,
que a liberdade ressoe! E se a América estiver destinada a ser uma grande nação, isso se tornará realidade. E, assim, que a liberdade ressoe (Sim) nos picos prodigiosos de New Hampshire.
Que a liberdade ressoe nas grandiosas montanhas de Nova York.
Que a liberdade ressoe nos elevados Apalaches da Pensilvânia.
Que a liberdade ressoe nas Rochosas nevadas do Colorado.
Que a liberdade ressoe nos declives sinuosos da Califórnia (Sim).
Mas não apenas isso: que a liberdade ressoe na Montanha de Pedra da Geórgia (Sim).
Que a liberdade ressoe na Montanha Lookout do Tennessee (Sim).
Que a liberdade ressoe em toda colina do Mississippi (Sim).
Nas encostas de todas as montanhas, que a liberdade ressoe!
E quando acontecer, quando ressoar a liberdade, quando a liberdade ressoar em cada vila e em cada lugarejo, em cada estado e cada cidade, anteciparemos o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, juntarão as mãos e cantarão as palavras da velha canção dos negros: Livres afinal! Livres afinal! Graças ao Deus Todo-Poderoso, Estamos livres afinal!

KING JR., Martin L. Discurso “Eu tenho um sonho”. In: CARSON, Clayborne; SHEPARD, Kris. (Orgs.). Um apelo à consciência: os melhores discursos de Martin Luther King. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 73-76.

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